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"A minha graça te basta"

Ezequiel 36.26-27

Dar-vos-ei coração novo, e porei dentro em vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne. Porei dentro em vós o meu Espírito, e farei que andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis.

2 Coríntios 12.6-10

Pois se eu vier a gloriar-me não serei néscio, porque direi a verdade: mas abstenho-me para que ninguém se preocupe comigo mais do que em mim vê ou de mim ouve. E, para que não me ensoberbecesse com a grandeza das revelações, foi-me posto um espinho na carne, mensageiro de Satanás, para me esbofetear, a fim de que não me exalte. Por causa disto três vezes pedi ao Senhor que o afastasse de mim. Então ele me disse: A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo. Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por amor de Cristo. Porque quando sou fraco, então é que sou forte.

A passagem de Ezequiel 36 é sobre a relação de Deus com o povo de Israel. O povo de Israel teve momentos de rebelião contra Deus e agora se encontrava em exílio, passando por sofrimentos sem conta. Através do profeta Ezequiel, Deus toma a iniciativa de mudar a situação, tirando o coração recalcitrante do povo de Israel e colocando em seu lugar um coração transformado, propenso a cooperar com Deus. Na Bíblia, a palavra "carne" é usada para designar fraqueza, em oposição a força. Já neste texto, ela é usada para fazer contraste com pedra dura, fria. Ou seja, Deus promete remover a frieza de coração do povo de Israel e sustituí-lo por um coração maleável, disposto a aprender e praticar a vontade de Deus. Deus fará isso dando o seu Espírito ao povo.

O texto de 2 Coríntios 12.6-10 é uma forma de cumprimento da passagem de Ezequiel na vida de Paulo. O apóstolo nos fala de como Deus o humilhou pondo-lhe um espinho na carne, e isso depois que ele teve profundas experiências espirituais com Deus. Essas experiências deram força a Paulo, e mais autoridade para se afirmar como apóstolo de Cristo. Deus, porém, quis manter sob controle essa força e autoridade, a fim de que Paulo permanecesse sempre na dependência de Deus. E Deus continuou orientando Paulo sobre como fazer uso do seu poder. O espinho na carne era a maneira de forçar Paulo a se concentrar, não naquilo que ele, como pessoa, podia realizar, mas sim naquilo que Cristo, através de Paulo, queira realizar.

Os personagens principais das duas passagens bíblicas

Em Ezequiel, o personagem principal é Deus. Sabemos que Deus é um ser relacional. A passagem nos relembra a aliança de Deus com o povo de Israel, como nação eleita (cabe notar que a noção de povo eleito pode, por vezes, suscitar discriminação contra outros povos, que também são criaturas de Deus. Não raro, o povo de Deus causa sofrimento desnecessário àqueles que ele não considera povo de Deus). Deus tem um pacto com o povo de Israel; apesar de, nesse pacto, o relacionamento ser assimétrico. Deus prometeu certas coisas ao povo de Israel, mas definiu as condições (Gênesis 15, Êxodo 20, Deuteronômio 5.6-21). Através da história da salvação, Deus constantemente lembra o povo de Israel dessa relação especial que há entre os dois. Numa das ocasiões em que o povo de Israel desobedeceu às ordens de Deus, Deus permitiu que o povo de Israel fosse levado cativo para o exílio e, nessa situação, passar por grandes dificuldades. Mas agora Deus prometia restaurar o pacto, e isso mediante uma profunda transformação espiritual e moral do povo de Israel.

Os personagens principais de 2 Coríntios 12.6-10 são Deus e Paulo, que tiveram um relacionamento particular (Atos 9). Paulo jamais se encontrara com o Jesus histórico. Atos 1.21-22 descreve as credenciais que deve ter um apóstolo de Cristo. Segundo essa passagem, Paulo não tinha essas credenciais para poder ser considerado um apóstolo. Em passagens anteriores, de 2 Coríntios, Paulo teria sido acusado de ser néscio e fraco e de seu apostolado não ter legitimidade. A autoridade apostólica e a integridade pessoal de Paulo eram, assim, questionadas. Estava em jogo todo o seu ministério. Portanto, Paulo foi obrigado a defender-se e a justificar seu apostolado. Ele se sentiu tentado a recorrer às suas extraordinárias experiências espirituais para fundamentar sua superioridade sobre os demais apóstolos. Em vez disso, porém, decidiu confiar na dependência da graça de Deus que sempre o acompanhara através do seu ministério.

O espinho na carne de Paulo

Os especialistas do Novo Testamento discutem sobre qual teria sido a natureza desse espinho na carne de Paulo, já que o próprio Paulo não dá nenhum esclarecimento a respeito. Alguns sugerem que se tratava de certa forma de enfermidade como, por exemplo, um defeito na fala, ou um problema ocular, ou mesmo epilepsia. Outros pensam que era uma espécie de tentação sensual. Ainda outros acham que Paulo se refere às muitas perseguições de que foi vítima. Seja como for, parece que Deus não achou necessário que soubéssemos de que se tratava, e toda especulação a respeito é inútil. É claro, porém, tratar-se de algo provocado por um agente de Satã, sob a permissão de Deus, a fim de controlar Paulo no seu uso do poder espiritual. Isso parece ter similitudes com as experiências de Jó, e também de Jesus no jardim do Getsêmane. Tanto Jesus como Paulo oraram para que o problema que enfrentavam fosse afastado deles. Nos dois casos, o pedido não foi atendido em virtude dos planos que Deus tinha em favor da humanidade. Contudo, Deus concedeu a ambos a graça de poderem permanecer firmes em meio aos problemas.

Ao ler essas passagens no contexto da África - onde há imenso sofrimento por causa das injustiças sociais baseadas em raça, gênero, classe e etnia -, somos levados a pensar nos agentes de Satã e, daí, a clamar a Deus: "Por que nós, Senhor?". Mas, nem o pensar nos agentes de Satã, e nem clamar a Deus "Por que?", resolvem nosso problema. O que, porém, é espiritualmente intrigante é que Deus permita que tal sofrimento aconteça, até mesmo na vida de pessoas profundamente piedosas. Logo, a questão central: por que sofrem as pessoas que põem sua confiança em Deus? A maioria do povo africano é muito espiritual. As organizações cristãs femininas, por exemplo, são renomadas pelas suas fervorosas orações, acompanhadas de jejum. É comum ouvir mães africanas pedir a Deus que o espírito da pobreza, das doenças incuráveis como HIV/Aids, do crime, do desemprego, da violência contra mulheres e crianças, etc., seja capturado e lançado no mar de fogo. Não obstante essa piedade toda, as estatísticas demonstram que os pobres se empobrecem mais e mais, e que os ricos se enriquecem mais e mais. O HIV/Aids continua a se expandir sem parar. E a violência contra mulheres e crianças está aumentando. Devemos perguntar-nos: esses problemas são de natureza espiritual, e podem ser resolvidos somente com oração e jejum? Ou deveríamos, antes, combinar nossas orações corajosas com ações corajosas, inspiradas pelo poder do Espírito de Deus, a fim de buscar a transformação daquelas estruturas iníquas que, abusando do poder que lhes vem de Deus, nos oprimem tanto?

O povo cristão da África não deve esquecer que, enquanto vivermos na terra, estaremos sob a graça de Deus. A África não é o continente mais pecador do mundo, nem é o que mais merece a ira divina. Por razões que jamais compreenderemos, Deus permite que aconteçam injustiças e desigualdades, doenças e enfermidades. Vivemos num mundo decaído, que geme como uma mulher em dores de parto. As causas dos problemas da África são, ao mesmo tempo, locais e internacionais. Orações e ações, combinadas, podem debelar as causas do sofrimento. A mera oração talvez apenas atenue a dor. Sabemos que "os mensageiros de Satã podem não ser de imediato destruídos pelas orações fervorosas, mas eles o serão no fim" (Paul Barnett, A mensagem de 2 Coríntios, Leicester, InterVarsity Press, 1988, p. 178). O que nos dá a força de continuar a lutar para que a justiça de Deus prevaleça na terra é aquela voz poderosa de Deus que diz: "A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza".

Oração

Deus Criador, damos-te graças
pela força que teu Espírito Santo no dá
para podermos realizar mudanças.
Damos-te graças porque tu estás sempre conosco
e jamais nos abandonas quando confiamos em ti.
Em meio a todo sofrimento, tu estás presente
e tens sempre um desígnio para o teu povo.
Teu desígnio é bom porque nos anuncia vida em abundância
mesmo quando enfrentamos dificuldades.
Obrigado, por seres um Deus de justiça,
e por desejares que a justiça prevaleça na terra.
Obrigado, por nos escolheres para sermos teus colaboradores
e trazermos paz e justiça aí onde o povo está em dores.
Dá-nos coragem de realizarmos aquilo que é certo,
e de confiar em ti nas coisas que não conseguimos mudar.
Obrigado, por lembrar-nos que tua graça basta
para conduzir-nos através das coisas que não conseguimos mudar.
Pelo nome de Jesus.
Amém.

(Adaptado de A África em Oração - manual de sermões e liturgias sensíveis ao HIV/Aids, por Isabel Apawo Phiri, publicação do CMI, 2003, pág. 129)

(Isabel Apawo Phiri, que preparou este estudo bíblico, é professora de Teologia Africana na Escola de Teologia e Religião, da Universidade de KwaZulu Natal, África do Sul, e coordenadora do Círculo de Teólogas Africanas Engajadas).


Como utilizar estes textos bíblicos?

"Por que nós, Senhor". Isabel Apawo Phiri enfatiza as razões pelas quais o povo africano clama assim.

Você já sentiu, alguma vez, a dor e a injustiça chegarem ao ponto de se tornarem insuportáveis? Ou que a sua fidelidade cristã parece não valer grande coisa, e que ela não produz recompensa positiva? Quando em grupo, compartilhe sua experiência com a das outras pessoas. Evite dizer às outras pessoas o que as experências delas devem significar para elas. Antes, utilize as experiências delas para você aprofundar a compreensão de suas próprias experiências.

Por que, em Ezequiel 36, o povo é caracterizado como tendo coração de pedra? Essa caracterização tem algum paralelo em nossa experiência contemporânea? Ter coração de pedra, ser intransigente ou insensível, pode comprometer o relacionamento com Deus e o cumprimento dos desígnios de Deus para a humanidade? Como? Como podemos ser renovados pelo Espírito?

Em 2 Coríntios 12.10, Paulo diz: "quando sou fraco, então é que sou forte". Trata-se, aí, de mera acomodação frente a uma realidade desagradável, ou, antes, com essa afirmação, Paulo proclama uma verdade profunda? Pense em algumas palavras que normalmente designam "força". Essas palavras são adequadas, à luz da afirmação de Paulo? Que, de fato, pedimos em nossas orações quando oramos para que a igreja seja forte? Pense em exemplos em que a igreja se mostra forte na fraqueza. Que significa que a graça de Deus seja suficiente para nós?

Como este estudo bíblico pode ajudar-nos a entender e a responder ao tema da Assembléia "Deus, em tua graça, transforma o mundo"?