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15.09.05

Cuidado com o que pedes em oração...

By: Simon Oxley


A transformação do mundo não pode acontecer
por meio duma caridade sem dor.
É uma questão de justiça.

O tema da nona Assembléia do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) é uma oração: "Deus, em tua graça, transforma o mundo". Contudo, talvez devêssemos perguntar: "O que faríamos se Deus realmente atendesse a essa oração?" ou "Temos a coragem de rezar por transformações?"

Nossa reação imediata pode ser de satisfação. O mundo certamente precisa ser transformado. O monstruoso mal da pobreza, que destrói as vidas de tantos, poderia ser derrotado. Todos poderiam desfrutar de água limpa, alimento suficiente e educação. O comércio poderia ser justo, sem que pessoa nenhuma tivesse sua força de trabalho explorada. Enfermidades mortíferas como malária e tuberculose poderiam ser erradicadas. A propagação da HIV/AIDS poderia ser interrompida e se ofereceria tratamento acessível a todos. A corrupção de caráter político e econômico poderia ser reduzida e poderíamos deixar de depender de força armada para forçar outros a fazer o que dizemos.

Tudo isso é possível agora. A transformação necessária é a de nossa vontade política. Todavia, será que realmente nos satisfazemos com isso?

Nada disso pode acontecer se não nos transformamos também. Alguns de nós estão muito confortáveis com a vida que levamos - nossa comida, nossas roupas, nosso entretenimento, nossos carros. Somos capazes até de nos convencer de que merecemos essas coisas. Teremos que abrir mão e devolver as injustas porções de recursos e poder de que dispomos. Nossas atitudes e nosso comportamento terão que ser transformados, e pode ser que não gostemos.

Orando por transformações radicais

A transformação do mundo não pode acontecer por meio duma caridade sem dor - com os que têm sendo generosos com os que não têm. É uma questão de justiça. Nos últimos anos, têm havido debates no movimento ecumênico sobre a "justiça restauradora" - o tipo de justiça que funciona para corrigir o que foi feito de errado.

Entretanto, o tema da Assembléia e concepções bíblicas de justiça nos levam além disso. Devemos pensar na justiça de Deus como uma justiça transformadora. A justiça que vai além de punir o transgressor e corrigir os erros, em direção à criação do que é completamente novo.

Jesus falou disso como sendo o reino de Deus. Cada vez que usamos o Pai Nosso, oramos: "Venha a nós o teu reino / seja feita a tua vontade / assim na terá como no céu". Estamos tão acostumados a essas palavras que podemos facilmente nos esquecer da transformação radical pela qual oramos.

Orar Deus, em tua graça, transforma o mundo significa estar aberto à transformação para os que crêem, para as igrejas e para o próprio movimento ecumênico. Podemos apenas crer em Deus, em Jesus e no Espírito Santo de maneiras que nos sejam convenientes. Podemos envolver Deus para apoiar nossas causas, em lugar de responder à sua chamada em nome do amor e do servir abnegados. Podemos tentar estabelecer limites em torno do amor de Deus, em lugar de celebrar sua universalidade. Nossas ações como igrejas e nossas relações com nossos irmãos e irmãs em Cristo podem negar o evangelho. Podemos ter tanta convicção de que nos estamos certos e outros errados, que nos esqueçamos de ser humildes diante d'Aquele que está além de todas as nossas compreensões.

Nos Atos dos Apóstolos, pode-se ler como as certezas de Pedro acerca da fé foram transformadas. Ele estava certo de que o que agora chamamos de cristianismo era algo contido no judaísmo. Significava manter as exigências alimentares judeas. Significava que a boa nova de Jesus era para os que fossem judeus.

Entretanto, algumas coisas extraordinárias aconteceram. Pedro teve aquele sonho (Atos 10: 9-35) em que foi convidado a comer alimento "impuro", e então a dádiva do Espírito Santo foi concedida à casa de um centurião romano. Esse é um momento importante na história do cristianismo. As certezas de Pedro sobre a natureza da fé foram transformadas, assim como a visão da igreja acerca de sua missão.

É difícil para nós, quase dois mil anos depois, apreciar a magnitude do terremoto sofrido pelas certezas de Pedro. Até que ponto estamos preparados para que visões acerca de Deus que são baseadas em interesses próprios ou limitados sejam transformadas?

A pregação dos primeiros cristãos foi tão eficaz que eles foram acusados de "virar o mundo de ponta-cabeça" (Atos 17:6). Reconhecemos que o mundo precisa ser virado de ponta-cabeça, mas será que estamos preparados para também o sermos?

Há um ditado: "Cuidado com o que pedes em oração, pois podes recebê-lo". Dessa forma, o CMI pode ter feito algo muito arriscado ao escolher Deus, em tua graça, transforma o mundo como o tema de sua Assembléia, mas é nisso que reside nossa esperança.

(*) Simon Oxley, ministro da Igreja de União Batista da Grã-Bretanha, é responsável por aprendizagem ecumênica do Conselho Mundial de Igrejas.